Interação solo-estrutura e o processo construtivo

Dúvida enviada à Comunidade TQS

Estamos investindo no aprendizado do sub-sistema SISE, visando contemplar a interação solo-estrutura na análise estrutural dos nossos edifícios.

Porém, vejo uma questão que, a primeira vista, parece não estar equacionada: o processo incremental construtivo.

O modelo de pórtico espacial elástico-linear para análise de estruturas de concreto armado é inadequada em determinadas situações, dentre as quais podemos citar a não-simulação do processo construtivo. Como ainda não chegamos ao estágio de um sistema integrado considerar de forma refinada a sequência construtiva, adotamos simplificações, através de intervenções no modelo de pórtico espacial elástico-linear, de forma a simular de maneira aproximada o processo construtivo. No TQS, os artifícios utilizados são dois:

  • Processamento de dois modelos de pórtico espacial, um com as vigas de transição com inércia normal (VTN) e outro com essas vigas com uma inércia multiplicada por um fator definido nos critérios.
  • Aumento da rigidez axial dos pilares, de forma a evitar, em parte, a migração de carga entre pilares com tensões muito diferentes.

A análise estrutural considerando a interação solo-estrutura, colocando nas fundações os apoios elásticos (molas)com diferentes rigidezes, pode ser tratada, conceitualmente, como uma situação análoga a uma estrutura cuja torre tem pilares apoiados na fundação e outros nas vigas de transição (apoio elástico). No caso da viga de transição, sabemos como o problema é tratado, aumentando a inércia da viga.

Um exemplo didático já bastante explorado é o de uma viga contínua, que se repete em vários pavimentos, com dois vãos, cujo apoio central é mais flexível do que os apoios extremos. Fazendo uma análise colocando as molas nos apoios destas fundações pra representar o solo através do pórtico espacial elástico-linear, nos níveis superiores podemos encontrar momentos positivos no apoio central e a carga do pilar central migra para os pilares extremos. Porém, sabe-se que esse funcionamento é correto apenas para cargas acidentais, cuja atuação vêm depois da estrutura pronta. Para o peso próprio e parte da carga permanente esse funcionamento não ocorre, uma vez os pavimentos são feitos e descimbrados progressivamente.

Como essa questão está sendo tratada na interação solo-estrutura?É feita alguma envoltória considerando apoios rígidos?? A princípio, parece que atribui-se as rigidezes às molas que representam as fundações e processa-se o pórtico espacial. Assim, caímos no problema explicado, e as diferenças de esforços podem ser elevadas!

Resposta

Muito bem formulada a sua questão. Sua mensagem corrobora aquele famoso conceito que ouvi de um grande engenheiro estrutural há muito tempo: “quanto mais o engenheiro adquire experiência profissional sobre estruturas de concreto armado mais ele descobre que, do ponto de vista relativo, ele menos sabe e possui mais dúvidas”. Outra frase: “feliz é o engenheiro que termina a faculdade de engenharia e projeta uma viga contínua de concreto armado sem muitas dúvidas”!

Bem, fiz esta introdução apenas para comentar que, parece, o nosso aprendizado e conhecimento sobre as estruturas de concreto armado não tem fim. Há mais de 10 anos eu tinha muitas dúvidas sobre o cálculo de estruturas utilizando o modelo de pórtico espacial. Depois que introduzimos e equacionamos, nos sistemas TQS, os conceitos de viga de transição, nós semi-rígidos, deformação axial dos pilares e outras particulares características, me senti mais seguro para assegurar que este é, hoje, o modelo mais adequado para o projeto de estruturas de edificações de concreto armado.

Após este equacionamento do pórtico espacial, restou uma grande dúvida: como equacionar a presença do solo na estrutura e seus inquestionáveis efeitos? Um antigo presidente da ABEG escreveu, certa vez, para o nosso jornal TQS News, um artigo onde ele citava que os momentos fletores elevados encontrados nos pilares dos modelos de pórtico espacial eram superestimados e irreais. Afirmação embasada no fato de que a fundação não é infinitamente rígida, o que é uma verdade absoluta. Outro ponto importante: engenheiros muito experientes, projetando edifícios elevados, jamais deixam de considerar, no mínimo, os vínculos elásticos nas bases dos pilares. Eles sempre existem e a superestrutura possui uma forte ligação com a infraestrutura. Qualquer valor elevado de vínculo elástico é mais adequado à realidade do que o vínculo de valor infinito.

Para melhorar o nosso modelo estrutural considerando os elementos de concreto e o solo, é que desenvolvemos o sistema SISEs para a interação solo-estrutura. Com o SISEs, você pode fornecer grandezas básicas do solo (sondagem-SPT e qualificação das camadas), parâmetros para discretização da estrutura, critérios de projeto e o próprio SISEs irá criar um modelo mais completo da superestrutura conectada a infraestrutura com todos os vínculos elásticos horizontais e verticais na infraestrutura discretizada. Outro ponto importante do SISEs é a facilidade operacional para esta interação entre as duas especialidades de projeto.

Julgo que demos um grande passo com o SISEs para melhorar a qualidade nosso modelo estrutural, mas temos muito mais ainda a fazer. No momento ainda não estamos considerando, com maior precisão, os efeitos construtivos das estruturas de concreto armado. Esta é uma das nossas tarefas ainda a realizar nas próximas versões do sistema. Já demos um importante passo neste sentido quando desenvolvemos o sistema para estruturas pré-moldadas. Neste caso já equacionamos todo o sistema para a consideração de fases construtivas da estrutura pré-moldada, cada uma com certas características distintas. Para o dimensionamento final dos elementos é adotada uma envoltória geral de esforços e/ou armaduras. Este conceito é facilmente extrapolado para a estrutura moldada “in-loco” para consideração dos efeitos construtivos. Embora não vislumbramos muitas dificuldades teóricas para este trabalho, o desenvolvimento ainda não foi realizado por uma questão de prioridade e/ou grau de utilização. Atualmente é dada uma importância para o equacionamento deste efeito apenas para edifícios muito elevados. Temos que lembrar que o Brasil, se comparado com outros países, não projeta edifícios muito elevados. Há muitos anos que não ultrapassamos a altura de 180m para um edifício. Temos um exemplo de edifício elevado aqui em São Paulo, 170 m de altura, esbelto, projetado na década de 60. O prof. Paulo Helene tem razão: ficamos para trás de muitos países na condição de projetos de edifícios altos.

Desenvolvemos o SISEs antes do sistema para efeito incremental pois julgamos que esta integração entre a estrutura (super e infra) e o solo estava com um equacionamento menos adequado do que o efeito incremental simplificado já implantado. Além disso, na grande maioria das nossas estruturas típicas, este efeito da presença do solo é mais relevante do que o efeito incremental.

Respondendo especificamente a sua questão com a similaridade do que ocorre com a viga contínua no pórtico espacial, geralmente, o equacionamento é um pouco diferente. Vamos comparar os dois casos:

  • Na estrutura de concreto armado, por imposições arquitetônicas, as taxas de compressão dos pilares não são uniformes, daí a sua deformação elástica axial também resulta bastante diferente, o que não corresponde a realidade da obra. Esse é o motivo para a adoção de um multiplicador da área dos pilares para minorar este efeito, método bastante simplificado.
  • Nas fundações, em geral, procura-se adotar uma taxa de compressão uniforme no solo, assim, para pilares com maiores cargas as fundações são maiores. Com isso, o pilar central da viga contínua terá um vínculo elástico vertical maior do que os pilares extremos.

Este conceito é válido tanto para fundações superficiais como para fundações profundas. Se acontecer casos especiais de taxas de compressão muito diferentes no solo, no SISEs é possível também enrijecer os vínculos elásticos de um determinado elemento individualmente. Vale lembrar que o cálculo dos coeficientes de reação vertical do solo possui certas particularidades. Ele não depende apenas da taxa de compressão mas, também, além de outros fatores, da forma geométrica da fundação, etc. Assim, uma fundação direta de 2 X 2 m não possui o mesmo coeficiente de reação vertical de uma fundação de dimensões de 1 x 4 m. O mesmo acontece com as estacas.

Aproveitando uma observação citada sobre apoios rígidos e envoltórias, sem querer aprofundar muito no SISEs, vale a pena comentar aqui um conceito fundamental do sistema para solo-estrutura. É inegável, e todos os engenheiros geotécnicos ressaltam este fato, o solo é um material com propriedades menos confiáveis que o concreto, é um material não elástico, não linear, heterogêneo, saturado ou não, etc. Como as grandezas do solo podem variar significativamente, temos sempre que trabalhar com envoltórias. Assim, o SISEs calcula os vínculos elásticos normais mas o engenheiro pode, e deve, atribuir coeficientes para que estes vínculos sejam “otimistas” e “pessimistas”, isto é, mais flexíveis e/ou mais rígidos. O processamento do pórtico espacial no SISEs é sempre realizado com estas duas hipóteses básicas e envoltórias são sempre adotadas.

Voltando ao caso do correto equacionamento dos efeitos construtivos com solicitações dos modelos intermediários da estrutura de concreto, etc, recordo que temos dois projetos sendo estudados aqui no Brasil onde a altura da edificação deverá ultrapassar os 230m. Para estes casos já fomos acionados para a realização deste desenvolvimento. Infelizmente a “crise” mundial que tivemos no final do ano passado adiou o andamento destes projetos.

Saudações a todos

Nelson Covas

TQS – SP – SP