Processos simplificados X Estruturas atuais

Longas Lembranças

Ao ler uma mensagem na Comunidade TQS, bateu em mim uma grande nostalgia, saudades de quando me formei (83) lá no interior, em uma cidade onde eram construídos poucos edifícios e onde eu tinha que me virar praticamente sozinho para aprender algo mais sobre estruturas , conhecer os carregamentos e solicitações, a  análise estrutural apropriada, dimensionamento e o detalhamento.

A grande verdade é que o meu aprendizado na Faculdade foi até razoável, e as infindáveis consultas aos livros nacionais foram mais que suficientes para que eu pudesse começar a projetar alguma coisa.

Aproveito a oportunidade para agradecer à estes grandes autores que tanto colaboraram com seus livros fantásticos para a formação de milhares de engenheiros de estruturas, que hoje estão atuando pelo Brasil afora:  Muito Obrigado Aderson Moreira da Rocha, Lauro Modesto dos Santos, Marcello da Cunha Moraes, Péricles Brasiliense Fusco, Jayme Ferreira da Silva, Walter Pfeil, Jayme Mason, J.C. Sussekind, Adolfo Polillo, entre tantos.

Bem, nesta retrospectiva, posso me sentir um felizardo, pois pude acompanhar ao longo destes anos, praticamente toda a evolução da microinformática aplicada a engenharia estrutural.

No último ano de faculdade comprei a minha primeira HP41 CV. Tínhamos naquela época os TK82, TK 85, as TI-59, HP97, e o poderoso HP85. Nesta época surgiram os APPLEs com CPM, e em 1984 conheci o IBM PC.

Já existiam programas de pórtico espacial com visualização gráfica, e sistemas de análise estrutural para computadores de grande porte.

O software comercial “dos sonhos” para micros era o PROSYSTEM (isto no RJ).

Desenvolvi alguns programas de dimensionamento para a minha HP. Consegui alguns outros na revista Dirigente Construtor. Além disto, em 84, comprei um “poderoso” TK2000, e consegui alguns programas (também de dimensionamento e esforços em vigas).

Meu ferramental de trabalho era até razoável para um recém-formado, mas todo manual, com a seguinte seqüencia:

  • Montava esquemas estruturais unifilares para os pavimentos,
  • Obtinha as reações de lajes nas vigas,
  • Calculava as vigas como continuas,
  • Montava grandes tabelas onde acumulava as cargas nos pilares
  • Obtinha a tão desejada seção dos pilares,
  • Dimensionava as vigas sempre buscando alturas de vigas que necessitassem apenas de armaduras de tração (já utilizando seções T)
  • Utiliza o “sofisticado e econômico” método de ruptura para detalhar as lajes.

Vale salientar, que, em minha cidade, são projetados poucos edifícios e baixos, e que, mesmo lá, nesta época, um antigo professor já “mergulhava” nos preços de projeto cobrados, e estragava todo o escasso mercado.

Bem, fiquei defasado das novidades entre os anos de 1985 e 1988, quando conheci o Sistrut em uma FENASOFT, e vi pela primeira vez um desenho de vigas plotado. Naquele mesmo dia, um engenheiro me disse que existia um outro software muito bom...

Em 1990 vim trabalhar em São Paulo, e imaginava que os processos e metodologias de cálculo utilizados aqui fossem super modernos.

O tempo passou, me dediquei a outras atividades profissionais até que em 1994 entrei na TQS.

Quando comecei aqui, percebi que os engenheiros trabalhavam em processos de cálculo bem tradicionais no dia a dia dos projetos.

  • Distribuição de cargas de lajes para as vigas por quinhões
  • Cálculo de esforços em vigas como continuas, estipulando que quando os pilares extremos fossem rígidos seriam considerados engastes.
  • Acumulo de cargas nos pilares considerando as reações do cálculo de vigas continuas.
  • Cálculo de esforços de vento em pilares por pórticos planos agrupados em ou como barras equivalentes em balanço, isto quando eram considerados.

Modelos mais refinados eram pouco aplicados em edifícios.

Modelos de grelha eram utilizados apenas em situações especialíssimas. Uma pequena parcela dos escritórios estava preparada para modelar pavimentos por grelha e (ou) elementos finitos, além das dificuldades de interpretação de resultados. Poucos programas tinham interface gráfica, e os modelos eram gerados através de arquivos de dados digitados (nós, barras, seções, carregamentos).

Modelos de pórtico espacial também eram gerados em situações especiais, sem que se reproduzisse, com preciosismo, todos os carregamentos verticais atuantes, onde se buscava principalmente os esforços solicitantes de ações horizontais.

Para simplificar a conversa, quando, por exemplo, encontrava-se uma laje complexa (em L) aplicava-se algum processo similar a um PAPT - Processo Artesanal de Produção de Telhas (ou seja, “nas coxas”).

O ano de 1994 ficou marcado na minha memória como um ano chave para a transformação/sofisticação das minhas metodologias práticas de projeto.

Foi neste ano que comecei a utilizar o TQS e conheci o módulo de Pórtico Espacial, que já era disponibilizado ao mercado com a interface atual, onde o modelo é gerado automaticamente a partir dos dados obtidos do lançamento estrutural e os resultados são gravados automaticamente para o processamento do dimensionamento de vigas e pilares.

Neste ano, também surgiu a primeira geração automatizada de grelha para os pavimentos. Foi criado também um Editor Gráfico para o detalhamento de armaduras de lajes (Editor de Esforços e Armaduras de Lajes).

Demorei alguns meses para absorver a nova cultura, mas de lá tenho buscado o aprimoramento dos modelos que utilizo em meus projetos, e neste aspecto, tive a sorte de ser sempre o primeiro usuário das inovações que iam surgindo no sistema.

Meus conhecimentos básicos são praticamente os mesmos, mas a minha capacidade de interpretação para uma estrutura mudou demais.

Nestes anos todos, pude observar silenciosamente milhares de estruturas, e melhorei muito o meu raciocínio sobre o funcionamento tridimensional de uma estrutura.

Hoje tendo a minha disposição uma ferramenta de trabalho moderna como o TQS, onde eu mesmo faço todo o projeto sozinho, não sei se conseguiria retroceder e projetar uma estrutura com métodos mais simplificados, apesar de funcionais.

Regras clássicas para Processos Simplificados

Na realidade, hoje sinto muita saudade das estruturas daquela época (até o início dos anos 90), pois eram bem mais simples que as projetadas hoje em dia nas grandes cidades no nosso país.

Agora, vamos fazer alguns comparativos sobre regras clássicas que muito colaboraram no passado com o sucesso dos engenheiros em sua arte de projetar:

Vale salientar que nos meus antigos processos de cálculo, somente verificava as deformações em peças muito esbeltas, raramente presentes em meus projetos.

1) Utilização freqüente de vigas, o que aumenta a rigidez da estrutura

2) Inércia de vigas

As vigas eram pré-dimensionadas com a relação 1/10 do vão para a altura das vigas, e evita-se a utilização de armaduras duplas. A aplicação destas duas regras praticamente definiam vigas com boa rigidez, sem problemas acentuados de deformações.

3) Engastes nos apoios extremos

Outra regra prática simplificadora que ouvi muito no inicio aqui na TQS, era de se considerar no cálculo de esforços por vigas continuas como apoios engastados extremos, os pilares/apoios com profundidade maior que PD/5 (pé-direito sobre 5), então, pilares com seções em planta superiores a 60 cm seriam considerados engastes em pavimentos-tipo.

4) Inércia de lajes

O dimensionamento de lajes pelo processo Elástico (Marcus ou Czerny) associada a regra prática que indicava que o diâmetro das barras de flexão deveriam ser de no máximo 1/10 de espessura da laje , para evitar fissuração, que também forçava a definição de lajes com pouca esbeltez, o que indiretamente ajuda a garantir que os problemas de deformações em lajes surgissem com mesma freqüência atual.

5) Deformações verticais diferenciadas – Vigas de transição

Como o custo dos terrenos e o número de vagas exigido eram menor, as vigas de transição só eram utilizadas em casos extremos.

6) Deformações verticais diferenciadas – Deformações em pilares

Duas perguntas freqüentes que sempre me foram feitas aqui na TQS eram:

-Qual a tensão média de pré-dimensionamento nos pilares que eu utilizava em meus projetos?

-Vocês aí em São Paulo fazem reduções de seções dos pilares?

Bem , hoje em dia poucos fazem reduções de seção. As seções dos pilares são as máximas permitidas, trabalhando em tensões bem diferenciadas.

Se as tensões são diferenciadas, então as deformações axiais dos pilares também é diferenciada, o que geralmente provoca redistribuições de esforços entre os pilares.

A boa aplicação da “inocente regra sobre tensão média” talvez seja uma das maiores justificativas para o bom funcionamento de muitas das estruturas existentes. As reduções de seção também colaboravam para manter as tensões homogêneas.

7) Alvenarias

Os vãos eram menores, e os painéis de alvenaria tinham um comportamento melhor. As alvenarias atuais são formadas por painéis mais longos, mais suscetíveis aos efeitos transmitidos por deformações na estruturas.

8) Casas – Como funciona a estrutura?

Geralmente, na execução de casas, as alvenarias sobem junto com a estrutura. A alvenaria é parte da forma dos pilares e as lajes e vigas são concretadas já descarregando sobre os painéis de alvenarias que estão apoiados em vigas inferiores e os pilares que sintam lateralmente estas alvenarias.

A distribuição real de cargas não é a que prevemos pelos processos tradicionais, pois uma grande parcela já migra para os painéis de alvenaria logo após a concretagem.

Fazemos mil e uma considerações em nossos projetos, ficamos preocupados com a esbeltez dos pilares e não percebemos que a estrutura nesta situação tem uma funcionamento “misto”: Alvenaria + Concreto armado.

Mudanças conceituais introduzidas nos anos 80

Principalmente nos anos 80, muitos projetistas estruturais migraram para o cálculo de esforços em lajes pela método de ruptura (charneiras plásticas).

Muitos destes perceberam que poderiam (indiscriminadamente) plastificar as lajes nos apoios e assim momentos negativos menores. Assim, as espessuras de laje poderiam ser menores, do ponto de vista do combate aos esforços de flexão. Culturalmente, não foram incorporadas verificações de deformações coerentes na rotina diária de trabalho.

Conseqüentemente, ao longo destes anos, as espessuras relativas de laje foram diminuindo, e os vãos foram aumentando consideravelmente. A quantidade de vigas diminuiu e os vãos cresceram, sendo que a altura (leia-se inércia) destas vigas ficou limitada entre o pé-direito e a caixilharia.

Como todo engenheiro estrutural é levado pelo desafio de buscar uma estrutura mais leve (que a do concorrente /adversário), a esbeltez das estruturas aumentou bastante nesta década.

Anos 90 – o crescimento do fck

Nos anos 90, tivemos o inicio do crescimento da resistência do concreto utilizada nas obras. Com isto as seções dos pilares também sofreram reduções proporcionais ao crescimento da resistência do concreto. Como o Módulo de elasticidade do concreto não cresce proporcionalmente ao aumento da resistência a compressão, surge aqui mais um tópico redutor da rigidez das estruturas.

Número de pavimentos - 1990 x 2003

Por último, vale lembrar que o número de pavimentos-tipo cresceu muito nos últimos anos, sendo que como muitos dizem, “não existem mais bons terrenos”, ou seja, hoje muitos edifícios são construídos em pequenos terrenos, com a exigência de muitas vagas de garagem, o que geralmente exige a utilização de vigas de transição e seções “estranguladas” de pilares.

Eng. Luiz Aurélio

TQS Informática Ltda.

São Paulo - SP