Interação Solo-Estrutura - Modelos e Referências Bibliográficas

Prezados colegas, em especial aos que pediram referências de trabalhos ligados a interação solo-estrutura e complementando a resposta, existem três modelos mais comuns de simular o maciço de solos sob a estrutura, a saber:

A primeira é mediante a hipótese de se considerar o solo como um meio homogêneo (mesmo material), isótropo (todas as direções possuem o mesmo comportamento elástico) e contínuo (sem cavidades ou vazios entre os diversos pontos), de modo que sob estas hipóteses se possa aplicar - em cada diferencial de volume do solo - as condições de compatibilidade estática e cinemática bem como a conhecida lei de Hooke. Estas relações aplicadas e considerando um conjunto de forças nas três direções ortogonais atuantes em qualquer ponto do meio, se chega a uma equação diferencial parcial, onde se impõem as condições de contorno de deslocamentos nulos a grandes distâncias da atuação das cargas, é possível resolve-la. Raymond Mindlin o fez pela primeira vez em 1936, ficando conhecida estas respostas como as soluções de Mindlin.

Estas expressões são bastante empregadas para a análise do solo, no cálculo de recalques e de tensões em qualquer ponto do meio. Elas podem ser empregadas de duas formas. A primeira, de maneira isolada, por exemplo, conhecida a pressão que uma sapata exerce sob o solo, ou as forças de fuste e de ponta que atuam ao longo de uma estaca, bastando assim usar estas relações de Mindlin para calcular os recalques e as tensões em qualquer ponto do maciço.

Ou então, compatibilizando estas expressões com as reações que a estrutura exerce no solo via interação pelos elementos de fundação, de modo a se obter os esforços da superestrutura (edifício), da infraestrutura (fundação), e os recalques e as tensões do solo. Nesta frente de pesquisa vários trabalhos tem se destacado, principalmente aqueles desenvolvidos, orientados ou co-orientados pelo prof. Nelson Aoki, podendo citar: Iwamoto (2000), Aoki & Velloso (1975), Aoki & Lopes (1975), Holanda Jr. (1999), Reis (2000), Mota (2009), Gonçalves (2004), Colares (2006).

A segunda forma é não resolver diretamente as equações diferenciais que regem o problema do maciço de solos, mas empregar os métodos discretos de aproximação, como o Método das Diferenças Finitas, o Método dos Elementos de Contorno ou, o mais comum e prático, o Método dos Elementos Finitos (MEF). Este último se consagrou como o mais empregado nos pacotes de softwares do mercado e no meio acadêmico, por suas características, em resumo, de fácil entendimento de sua formulação, fácil implementação computacional, dentre outras peculiaridades que mereceriam só um e-mail para comentar. Poucos são os trabalhos que fizeram análise de solos usando apenas o MEF para simular o solo, citando-se: Porto (2010), Chow & Teh (1991) e Ottaviani (1975).

A pouca quantidade de trabalhos que usa o MEF se dá porque uma análise de interação solo-estrutura, simulando o solo como um meio tridimensional, requer uma quantidade enorme de manipulação de dados e de alto custo de processamento, o que muitas vezes inviabiliza uma análise com caráter prático, onde sabemos que deve ser considerado, para projeto, o efeito de segunda ordem, dezenas de combinações de cargas, etc.

Neste segundo grupo ainda, o Método dos Elementos de Contorno apresenta uma vasta coleção de trabalhos acadêmicos que abordam a questão da interação solo-estrutura, uma vez que este método associa um procedimento de resolver de forma aproximada a equação diferencial, mas empregando como campo de aproximações dos deslocamentos e tensões as expressões analíticas de Mindlin já comentadas, o que leva a resultados muitos precisos. Entretanto, este método é muito pouco aplicado na prática de projetos de engenharia, uma vez que quase que inexistem softwares comerciais que o aplicam, em função das características não muito atrativas de sua complexa formulação e outros pontos que não potencializam sua aplicação na prática, o que também mereceria outro e-mail.

A terceira forma de simular o solo é mediante a representação de cada ponto do solo como um conjunto de 3 molas translacionais nas três direções cartesianas. De modo que se estabelece uma relação proporcional entre força e deslocamento, mediante um coeficiente de proporcionalidade, ou melhor, um coeficiente de rigidez. Mas de forma distinta ao que se aprende nos cursos básicos de física, ao invés de se associar força com deslocamento, associa-se a pressão da fundação, uma vez que fora desenvolvido inicialmente para fundação superficial, com o deslocamento, o que leva a um coeficiente de proporcionalidade denominado de coeficiente de reação, de unidade (F/L3), mas que tem o mesmo significado físico do coeficiente de mola.

Este modelo de molas discretas é denominado de modelo de Winkler. Sua grande vantagem é sua fácil inserção dentro de um pacote computacional e de seu fácil entendimento físico. O grande problema para o uso deste modelo é como associar um maciço altamente complexo, com variações de tipos de solos, variação da capacidade resistente, cota do nível de água variável, etc., com um simples número. Mas ao longo de várias décadas, diversas metodologias foram desenvolvidas por pesquisadores do Brasil e do mundo para estimar este coeficiente. Desde procedimentos baseados em ensaios de campo, ou associação destes coeficientes com as próprias equações de Mindlin ou até por procedimentos ditos de semi – empíricos por associar dados de ensaios com formulações analíticas.

Podem-se citar diversos trabalhos que tem empregado este modelo, destacando: Souza & Reis (2008), Aquino (2008), Shukla (1984), Terzaghi (1955), etc.

Eu já testei vários modelos de interação de solo-estrutura em análise estática, desde modelos simples como o de sapata+solo, ou estaca+solo, até mais complexos, edifícios+fundação+solo, empregando os três procedimentos citados anteriormente.

Hoje em dia, eu acredito que usar o modelo de Winkler é uma opção adequada, prática e que traz resultados satisfatórios em termos de recalques, tensões e esforços para as análises e projeto de edifícios convencionais (análise estática). Não vejo necessidade, ou até acho inviável, o uso do MEF ou do método dos elementos de contorno na análise do dia-a-dia de projetos de edifícios “reais” da engenharia.

Caso se queira fazer uma análise de interação de solo-estrutura usando o modelo de Winkler via um software comercial, como por exemplo, usando o SAP2000, Ansys, Adina, etc., deve-se após inserir os elementos da estrutura e da fundação, estimar a parte pelo usuário os valores de rigidez (coeficiente de molas) do solo e inserir manualmente estes valores no sistema.

Por outro lado, a TQS já tem desenvolvido um módulo de interação solo–estrutura muito interessante, denominado de SISEs. Neste módulo, a partir da escolha do tipo de solo, SPT, do tipo de fundação (superficial ou profunda), podem-se escolher diversos métodos de cálculo destes coeficientes, desde correlações encontradas em tabelas de Terzaghi, até procedimentos mais sofisticados, como aqueles correlacionados com as equações de Mindlin. Para a parte de estacas, eles empregam os procedimentos desenvolvidos no trabalho de Iwamoto, o qual foi co-orientado por Aoki, em conjunto com procedimentos clássicos de cálculo de capacidade de carga (Aoki & Velloso, Decourt & Quaresma, etc).

O que é melhor deste sistema é que ele faz tudo automaticamente: divide as sapatas ou as estacas em vários elementos, já inserindo estes coeficientes e acoplando no edifício, fazendo as análises e projetando todos os elementos.

Li no artigo de Souza & Reis (2008) que eles avaliam o uso do TQS para sapata rasa, comentando que o programa demonstrou ser uma ferramenta eficaz para análise da interação solo-estrutura tanto para a análise de ELU como para ELS.

E por fim, no próprio TQS há um material teórico muito rico sobre o assunto de interação solo-estrutura.


Abaixo as referências bibliográficas:


Iwamoto, R. K.(2000). Alguns aspectos dos efeitos da interação solo – estrutura em edifícios de múltiplos andares com fundação profunda. São Carlos. Dissertação (Mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.


Aoki, N.; Velloso, D. A. (1975).

An approximate method to estimate the bearing capacity of piles. V TH PAN AMERICAN CONFERENCE ON SOIL MECHANICS AND FOUNDATION ENGINEERING, Buenos Aires , Tomo I, p.367-376.


Aoki, N.; Lopes, F. R. (1975).

Estimating stress and settlements due to deep foundation. V TH PAN AMERICAN CONFERENCE ON SOIL MECHANICS AND FOUNDATION ENGINEERING, Buenos Aires , Tomo I, p.377-386.


Mota, M. M. C. Interação solo-estrutura em edifícios com fundação profunda: método numérico e resultados observados no campo. 2009. 222 p. Tese (Doutorado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.


Gonçalves, Juliane Cristina, Avaliação da influência dos recalques das fundações na variação de cargas dos pilares de um edifício. [Rio de Janeiro] 2004, XV, 126 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, M.Sc.,Engenharia Civil, 2004), Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE.

Holanda Júnior, O.G. (1998). Interação solo-estrutura para edifícios de concreto armado sobre fundações diretas. 191 p. Dissertação (Mestrado), Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, Brasil.


Reis, J. H. C. (2000). Interação solo-estrutura de grupo de edifícios com fundações superficiais em argila mole. 148 p. Dissertação (Mestrado em Geotecnia), Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.


Colares, G. M. (2006). Programa para análise da interação solo-estrutura no projeto de edifícios. 82 p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, Brasil.


Porto, T. Bomjardim. Estudo da interação de paredes de alvenaria estrutural com a estrutura de fundação.

Mestrado, UFMG, 2010.


Ottaviani M. Three-dimensional finite element analysis of vertically loaded pile groups. Géotechnique 1975, 25 (2): 159-174.


Chow

YK

, Teh CI. Pile-cap-pile-group interaction in nonhomogeneous soil. Journal of Geotechnical Engineering 1991, 117 (11): 1655-1668.


Terzaghi, K. (1955). Evaluation of coefficient of subgrade reaction. Géotechnique, vol. 5, no. 4, pp. 297-326.


Shukla, S.N. (1984). "A Simplified Method for Design of Mats on Elastic Foundations".

ACI Structural Journal, pp.469-475.


Aquino, Rafael D. Análise não-linear geométrica de edifícios 3D considerando a deformabilidade do solo. 82 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil.


Souza, Rafael A., Reis, J.H.C. Interação solo-estrutura para edifícios sobre fundações rasas. Acta Sci. Technol., v. 30, n.02, p. 161-171, 2008.


Eng. Valério S. Almeida