Fluência e Retração na Análise Incremental

Introdução

Nos últimos anos, avanços na tecnologia do concreto e de sua execução possibilitaram a moldagem de estruturas de concreto com alta resistência e de módulo de elasticidade elevado. Paralelamente, o aumento na capacidade computacional viabilizou a geração, a análise e o dimensionamento de modelos estruturais tridimensionais complexos. Tais progressos têm estimulado a construção de edifícios com grandes alturas em todo mundo, inclusive no Brasil.

Durante o processo construtivo de edifícios, seus elementos estruturais verticais (pilares, paredes e núcleos de elevadores) são submetidos gradativamente a incrementos de cargas e deformações axiais decorrentes da construção dos pavimentos posicionados acima deles. Nos elementos de concreto, a essas deformações axiais imediatas, são acrescidas deformações impostas ao longo do tempo pelos fenômenos de fluência e de retração desse material. Como consequência, tem-se a diminuição da altura do edifício e o surgimento de encurtamentos diferenciais adicionais entre os seus elementos estruturais verticais. Esses efeitos são particularmente importantes para edifícios muito altos, acima de 120 m.

Nos projetos de estruturas de edifícios muito altos de concreto, uma análise estrutural que considere as suas etapas construtivas e o comportamento viscoelástico desse material é fundamental para se evitar futuros problemas de ELS e de ELU nas suas estruturas. Isto é necessário pois, nesses casos, tanto a alteração do sistema estrutural ao longo do processo construtivo como a redistribuição dos esforços solicitantes causada pelos encurtamentos diferenciais nos elementos verticais produzidos pela fluência e pela retração do concreto afetam significativamente o comportamento estrutural. Quando tais aspectos não são considerados na análise, os esforços solicitantes, as deformações e os deslocamentos por ela (análise) produzidos podem estar muito distantes da realidade, ocorrendo os problemas mencionados.

A avaliação realística dos efeitos da fluência e da retração do concreto no comportamento estrutural requer: a definição de um modelo matemático que descreva tais fenômenos de forma confiável; e o desenvolvimento de métodos computacionais que possibilitem o seu emprego na análise estrutural.

Como resultado de um contínuo trabalho experimental e teórico, foram desenvolvidos vários modelos para predizer a fluência e a retração de um dado elemento estrutural concreto. Alguns de tais modelos estão descritos em normas internacionais, como ACI e CEB, e na norma brasileira.

Existem vários métodos computacionais para a análise da fluência em estruturas de concreto baseados no MEF. Eles podem ser grupados em dois grupos principais: o da formulação integral que calcula soluções numéricas do sistema de equações integrais hereditárias de Volterra associado à viscoelasticidade linear com envelhecimento; e o da formulação diferencial que aproxima a relação tensão-deformação viscoelástica linear do concreto por uma série de unidades de Kelvin ou de Maxwell.

Análise de edifícios de múltiplos andares

Para atender as novas exigências advindas do desafio de se projetar edifícios de concreto altos, a TQS implementou, na versão V22 do seu sistema, uma análise que considera a sequência de construção e de carregamento no cálculo dos esforços e dos deslocamentos das estruturas de edifícios com múltiplos andares. Atualmente, a versão do sistema que incorpora nessa análise os efeitos da fluência e da retração do concreto está em fase final de testes.

Na sua primeira versão, os modelos matemáticos adotados para a fluência e para a retração do concreto são aqueles definidos na norma americana ACI-209R-92.

O método computacional implementado para tratar a fluência é baseado na formulação diferencial, empregando-se uma série de unidades de Kelvin para a representação do comportamento viscoelástico do concreto. A implementação desse método foi realizada apenas para o elemento de barra. Duas formulações desse elemento estão disponíveis no TQS: teoria de Timoshenko, que inclui o efeito da deformação por cisalhamento; teoria de Bernoulli-Euler, que não inclui essa deformação.

Na formulação viscoelástica utilizada, as seguintes hipóteses para o material concreto são assumidas:

  • homogêneo e isotrópico, desprezam-se a presença de armaduras e a fissuração;
  • sujeito a baixas tensões axiais, sempre menores ou iguais a 40% do fck
  • comportamento reológico viscoelástico com envelhecimento;
  • vale o princípio da superposição dos efeitos (McHenry - 1943), decorrente das duas hipóteses anteriores;
  • a viscosidade se processa com coeficiente de Poisson constante. Essa propriedade garante que a função de fluência de um material determinada em ensaios uniaxiais basta para descrever o seu comportamento multiaxial.

Dentro desse escopo, os deslocamentos, as deformações e os esforços solicitantes atuantes ao longo do tempo em uma dada estrutura reticulada de concreto sujeita aos efeitos da fluência e da retração são calculados de forma aproximada através de uma análise incremental.

Essa análise incremental é discreta no tempo, sendo os valores dessas grandezas físicas determinados, recursivamente, no instante final de cada etapa construtiva a partir dos seus valores no instante em que ela (etapa) se iniciou e que foram calculados no passo anterior do processo incremental.

Deste modo, reduz-se a análise viscoelástica a uma sequência de análises elásticas lineares.

Nessa formulação, são calculados diretamente os efeitos da fluência relativos aos esforços: normal; fletores nos dois planos principais da barra; e torsor.

Os resultados obtidos nessa análise têm sido sujeitos a um processo exaustivo de validação. Esse processo foi guiado pelas seguintes diretrizes:

  • os resultados da análise devem ser compatíveis com os resultados analíticos obtidos no ensaio de fluência de elementos de concreto do tipo barra segundo o ACI;
  • para elementos de barra, a análise deve reproduzir os resultados analíticos dos efeitos da retração prescritos pelo ACI;
  • a análise deve gerar resultados consistentes com o princípio da superposição: “O efeito da soma das causas é igual à soma dos efeitos de cada uma dessas causas”;
  • no caso de estruturas constituídas integralmente por concreto fabricado na mesma data, os resultados das suas análises devem atender aos teoremas de correspondência que associam a solução de um problema da teoria da viscoelasticidade a um problema correspondente da teoria da elasticidade;
  • para o ensaio de relaxação de elementos de concreto do tipo barra, os resultados obtidos devem ser “próximos” aos resultados numéricos propostos no livro Mathematical Modeling of Creep and Shrinkage of Concrete (editado por Z. Bazant) e calculados a partir da função de fluência do ACI;
  • os resultados da análise envolvendo etapas construtivas, fluência e retração devem ser consistentes com os produzidos por sistemas de análise estrutural de reconhecida qualidade técnica.

Tais critérios foram atendidos pelos resultados produzidos pelo TQS nos diversos testes já realizados.

Exemplos de aplicação

Abaixo são apresentados alguns dos exemplos onde este tipo de análise pode ser utilizada:

  • Ensaios de fluência
  • Ensaios de relaxação
  • Efeitos de retração e fluência ao longo do tempo em um pórtico plano
  • Análise com etapas construtivas, fluência e retração em um pórtico espacial