Dúvida a respeito de viga curva

Mensagem 1

Fiquei pensando e vi que no e-mail abaixo não me expressei bem na minha dúvida, portanto estou enviando um novo e-mail para explicar melhor.

A viga que estou mencionando seria uma viga com eixo longitudinal reto, então se inicia uma curva (formando uma espécie de um "S").

Não achei em nenhum lugar alguma teoria sobre este tipo de viga, e como mencionei anteriormente não gostaria de colocar no computador e mandá-lo resolver para mim, e não entender nada.

Não seria uma viga balcão, mas a teoria dela também me interessa, então, se alguém conhece a teoria das duas vigas citadas e pode me indicar alguma literatura, ou alguma explicação rápida, eu agradeço.

Mensagem 2

Vou lhe dizer como é que faço para me orientar, quando tenho problemas de estruturas de barras com torção de equilíbrio, como é seu caso. O procedimento que se segue é assim uma espécie, na gíria estudantil, de bizu, macete ou dica, pois não tem formalismo acadêmico. Vou expor de uma forma que me parece didática, na intenção de lhe ajudar, mas não é aula. Se v. tiver paciência de me acompanhar, chegaremos juntos na resolução de sua viga.

Inicialmente, destaco dois pontos importantes:

1) As estruturas de barras (retas, poligonais ou curvas) podem ser substituídas, em sua modelagem, por linhas retas ou curvas que representam seus respectivos eixos geométricos. Se a viga é reta, seu modelo é um segmento de reta, se de eixo poligonal, um polígono, e se de eixo curvo, uma linha curva.

2) Seus apoios são representados por pontos (ou nós) inteligentes, pois eles guardam as restrições que os apoios têm. Restrições aos deslocamentos (até 3) e restrições às rotações (até 3). Para que haja torção é necessário que pelo menos um dos apoios tenha restrição à torção, ou seja, à rotação no plano da seção transversal.

Sei que v. esta achando isso muito elementar, mas v. notará sua importância logo adiante.

Imagine agora, para comegar, que v. tenha uma viga reta, simples, com restrições à torção em seus dois apoios, e com uma carga P com excentricidade e em relação ao seu eixo, representada na figura abaixo pelo seu modelo.

Para determinar os momentos de torção nessa viga, vamos usar o artifício de substituir a carga excêntrica P por uma carga vertical fictícia P*=P.e, aplicada sobre o próprio eixo da peça. Essa carga não tem, evidentemente, as dimensões físicas de uma força, mas sim de um momento (por isso mesmo é fictícia!). Veja a figura abaixo.

O diagrama de força cortante V* dessa viga para a carga P* é o próprio diagrama de momento de torção T, e as forças cortantes V* junto aos apoios têm os valores dos momentos de torção nos engastes à torção. Simples, não é? Pois bem, essa analogia simples pode ser extrapolada para casos mais complexos.

Não vou apresentar mais figuras, senão a mensagem ficará grande demais, mas sugiro que a medida que for avançando v. vá fazendo o desenho e os diagramas no papel. Vamos lá.

1) Se v. tem diversas cargas concentradas excêntricas, e cada carga com excentricidade de valor diferente, substitui-se cada carga pela carga fictícia Pi*=Pi.ei respectiva. O diagrama de força cortante será o diagrama de T.

2) Se v. tem cargas com excentricidades para os dois lados do eixo do modelo, v. vai ter de arbitrar um sentido de rotação como positivo (o dos ponteiros do relógio) e o contrário como negativo. As cargas fictícias de rotação positiva serão representadas de cima para baixo e as outras, de baixo para cima. O diagrama de força cortante para essas cargas fictícias (positivas e negativas) será o diagrama de torção.

3) Se, em vez de cargas concentradas, tem uma carga linear p com excentricidade constante e, poderá substituí-la por uma carga linear fictícia p*=p.e, aplicada sobre o eixo da viga, e o diagrama da força cortante V* será o diagrama de T para o carregamento original. Caso a carga linear p seja variável, e a excentricidade também varie ao longo da viga, a carga fictícia p* terá valor variável de acordo com a variação do produto p.e. Idealize um exemplo. O diagrama de força cortante para p* variável será o diagrama de T.

4) Antes de irmos adiante, tente v. mesmo responder a essa questão, com o que já aprendeu: Se o engastamento à torção só se der em um dos apoios, ficando o outro sem engaste à torção, a nossa viga fictícia com nosso carregamento fictício, para efeito de cálculo do diagrama de força cortante V*, será adotada ainda como viga sobre dois apoios, ou será considerada como viga em balanço, com engaste no apoio engastado à torção? Pois é, o diagrama de força cortante V*=T será o diagrama da viga em balanço.

5) Agora vou me aproximar mais de seu caso. Vamos supor que o eixo da viga não é mais reto mas sim poligonal ou curvo. A primeira coisa que temos de fazer em nosso modelo (para o cálculo da torção) é ligarmos, em nosso modelo, as duas extremidades da viga por um segmento de reta, que representará nossa viga fictícia. Para efeito de torção, a viga passa a ter eixo reto e as cargas estarão aplicadas com as excentricidades determinadas pela distância ortogonal de seu ponto de aplicação ao eixo fictício. Os produtos P.e e p.e nos darão as cargas fictícias P* e p*. O diagrama de força cortante V* nessa viga reta fictícia é o próprio diagrama de T da viga curva ou poligonal, projetado sobre esse eixo reto. É claro que as duas extremidades podem estar engastadas à torção, ou apenas uma delas.

Tente aplicar esse procedimento simples para sua viga e v. terá uma referência para checar os resultados dos procedimentos analíticos ou de computador que v. vier a usar.

É possível, com esse procedimento, ter uma boa idéia inclusive de vigas de eixo helicoidal, com as reduções do traçado tridimensional à suas projeções planas.

Antonio Carlos Reis Laranjeiras,

Salvador, BA

Mensagem 3

Caro Prof. Laranjeiras,

O raciocínio é simplesmente genial! Confesso que ainda não tinha pensado nisso dessa forma.

Por outro lado me pareceu, pelo desenho, que a viga da dúvida do colega Leonardo é curva no plano vertical, apesar dele também se dizer interessado por vigas curvas no plano horizontal (balcões).

Eu gostaria de saber como surgiu uma viga dessas no lançamento da estrutura: realmente os arquitetos são incansáveis.

Mensagem 3

Realmente este arquiteto imaginou muito......

Não tenho um scaner para te mostrar o projeto, mas vou tentar te explicar.

Na verdade o que o arquiteto fez no trecho mais alto da viga foi uma espécie de patamar (obviamente acima da viga existe a laje) para sofás, assim criar uma situação em que a família podesse ter um home theater na parte mais inferior da viga, talvez para melhorar a visão, ou somente uma questão estética, não sei..., e o problema é que esta "curva" estaria bem acima do corredor, então impossível de criar uma fileira de pilar neste local.

A idéia, é sem dúvida nenhuma, muito criativa, porém que vai dar um pouco de trabalho para fazer.

O desnível da viga é de 20 cm, com a curva não muito acentuada (no desenho que passei está exagerando a curva), mas estamos estudando uma outra estrutura, porém acho extremamente interessante continuar com essa viga. Vou tentar modelar em elementos finitos e ver o que dá, assim que obtiver os resultados enviarei a vocês.

Continuo atrás de alguma teoria para esta viga com curva no plano vertical, se alguém conhecer algo parecido por favor me contate, eu agradeço.

Mensagem 4

Esqueça momentaneamente os elementos finitos. Uma boa simplificação quase sempre resolve a maioria dos problemas a contento. Arquitetos sempre imaginam muito. Eles são pagos pelas pessoas para terem (quase sempre) algo inusitado, diferente do que as outras pessoas já tem. Isso é muito bom por uma lado, porque incentiva a indústria a produzir novos materiais que se adequam às novas situações, e impulsiona os grandes teóricos das ciências dos materiais e mecânica dos sólidos a aperfeiçoarem ou desenvolverem novas técnicas... mas nos casos "arroz com feijão" que todos nós estamos acostumados a lidar todos os dias, repito:

Uma boa simplificação quase sempre resolve a maioria dos problemas a contento.

A primeira coisa que eu sugeriria a você, que é recém formado, é procurar um escritório de estruturas sólido e pleitear um emprego ou vínculo similar. Na nossa profissão o volume de informações é muito, mas muito grande. Veja você mesmo as grandes efemérides do cálculo estrutural brasileiro discutindo sobre assuntos diversos nesta lista sem que sempre se chegue a um consenso. Apesar de contribuir bastante com a nossa bagagem, esta lista não toca nem em 1% dos assuntos possíveis. "Cole" em alguém experiente. Sugue a experiência de quem já bateu cabeça e você vai ver que vai ganhar um tempo precioso. Como eu já disse em outra mensagem aqui mesmo, sabedoria é a experiência transformada pela inteligência. Seja Inteligente.

Como você já está com o serviço na mão, vamos ver o que dá para fazer. Acho que o TQS não faz uma vigas conforme seu croqui. Veja o seguinte esquema:

Será que você não consegue usar essa solução onde o fundo da viga está sempre na mesma cota, variando apenas a cota de topo da mesma? Você poderia dimensioná-la para a altura h para todo o vão e aumentar a seção em 20 cm onde for necessário... naturalmente, armando o acréscimo de seção. Dá para fazer? Acho que sim.

Mensagem 5

Prezados Colegas da Comunidade

Sempre tive um cuidado, talvez exagerado, com este tipo viga curva.

Lembro-me que fiz na década de 70 um processamento de grelha que me marcou muito. Era uma viga curva, base de um silo, com determinadas condições de engastamento. Discretizei a viga em diversos segmentos retos, trechos tangentes nos apoios, coloquei as características geométricas, vinculei os apoios e recebi a resposta, para mim na época surpreendente: todos os resultados deram 0 (zero). Todas as vigas trabalharam como isostáticas com momentos nos apoios = 0. Fui uma grande lição. Aprendi que, se não fizermos a correta compatibilidade entre as inércias a torção e flexão e as condições de vínculos, teremos surpresas, muitas vezes desagradáveis.

Meus mestres da época me ensinaram a analogia da torção com a força cortante, claramente explicada pelo prof. Laranjeiras.

No sistema de grelha da TQS sempre cuidamos para que este tipo de estrutura tenha um solução técnicamente correta e de fácil fornecimento de dados e visualização de resultados. As vigas no TQS podem ter seção variável no vão para o cálculo de esforços, embora o dimensionamento e detalhamento seja realizado apenas para vigas prismáticas ( menores dimensões no vão). O desenho do gabarito da viga sai correto e basta um posterior acerto nas armaduras.

Mas o que eu acho importante na solução geral computacional é a solução de alguns casos que ocorrem em uma viga balcão:

a) O eng. define a inércia a torção integral da viga de borda, uma viga estreita, ela vai resistir a esforços de torção e dimensionar adequadamente. Se não passar ao cisalhamento, combinado com torção, mensagem de erro é emitida e o desenho não é emitido. Em vigas estreitas quase sempre a viga não passa.

b) O eng. reduz a inércia a torção a quase zero, ela vai absorver muito pouca carga e se apoiar na laje. Neste caso embora o eng. pense que a viga vai trabalhar, o esforço passa para a laje que vai ter que suportar todo o carregamento. A viga serve apenas para compatibilizar deslocamentos. E se a laje for rebaixada e não tiver continuidade com o outro vão?

c) O eng. define uma viga de largura adequada para resistir a torção mas não define a vinculação correta nos seus extremos. A viga vai girar nos apoios e como a laje dificilmente tem rigidez para absorver aos esforços, os deslocamentos serão enormes e a estrutura não passa. E se a viga externa do balcão, rígida a torção, se apoia em outra viga interna sem continuidade?

Neste tipo de estrutura, pequenos detalhes fazem muito a diferença, é uma estrutura sensível a ridigez a flexão da laje, da viga, rigidez a torção da viga, condições de vinculação da viga e laje etc. Eu acho que o correto equacionamento para as estruturas correntes de balcões e sacadas, como se tem comumente em Brasília, tem que ser passar por um programa de grelha e um dimensionamento adequado de vigas e lajes, especialmente levando em conta a torção. Os modelos simples, fácilmente equacionados manualmente, são ótimos para se ter a sensibilidade do comportamento do modelo mas os programas também estão aí no mercado com uma excelente capacidade de resolver estes problemas.

Saudações

Nelson Covas

TQS - SP